Por Jonathan Portes[1]
* Esta é uma tradução livre e não autorizada do texto originalmente divulgado no The Guardian, em 25/03/2020 (você pode acessar o artigo original aqui), feita pelo LEICC/UERJ para fins estritamente acadêmicos. [This is an unofficial and unauthorized translation, made strictly for academic purposes].

Imagem: camilo jimenez para Unsplash
Os governos devem fazer o que for necessário – e a qualquer custo – para garantir o interesse de nossa saúde e riqueza coletiva.
A cura é pior do que a doença? O Times afirmou hoje: “Se o bloqueio do coronavirus levar a uma queda do PIB de mais de 6,4%, mais anos de vida serão perdidos em decorrência da recessão do que ganhos pelo enfrentamento do vírus”. É difícil saber por onde começar para rechaçar este absurdo. Ele se baseia em artigo ainda sob avaliação, submetido a uma revista intitulada Nanotechnology Perceptions, que simplesmente assume que uma queda do PIB significa de modo mecânico e direto queda na expectativa de vida.
Este tipo de raciocínio tem levado o Presidente Trump a chamar o fim antecipado das restrições nos EUA, sob a justificativa de que muito mais pessoas deverão morrer de suicídio em decorrência de uma “terrível economia” do que do vírus.
Mas a premissa é completamente falsa. Uma recessão – uma queda temporária do PIB em curto prazo – não precisa e normalmente não reduz expectativas de vida. Ao contrário. De maneira contra-intuitiva, evidências têm demonstrado que as recessões levam as pessoas a viverem mais. É verdade que suicídios aumentam, mas outras causas de morte, como acidentes de trânsito e doenças relacionadas ao álcool, diminuem.
Em um plano elementar, o mito do sacrifício da vida ignora o que as evidências dizem. Mais relevante, porém, é mostrar que a idéia segundo a qual o modo de minimizar danos econômicos é remover as restrições antes de cumprirem seu objetivo – suprimir a propagação do vírus – é terrível.
Não obstante o que tenha dito o presidente, alguém realmente acredita que poderemos voltar ao “normal”, ou próximo disto, em curto prazo e a qualquer momento? Se nos fosse permitido retornar ao trabalho, grande parte, muito racionalmente, escolheria permanecer em casa por medo de contágio do vírus. E se, como os cientistas prevêem, o resultado de afrouxar as restrições aumentar as infecções, muitas firmas deverão parar de funcionar quando os trabalhadores ficarem doentes ou precisarem cuidar de seus parentes.
De maneira mais ampla, restaurar a economia normalmente requer, acima de tudo, confiança. Em meio à contínua incerteza sobre suas próprias finanças e a economia em geral, famílias não gastam e empresas não investem; algo que não será revertido até que a propagação da doença seja contida.
Portanto, não há tradeoff possível aqui. Considerações econômicas e sanitárias convergem em curto prazo. É necessário fazer o que tiver de ser feito – custe o que custar – no interesse de nossa saúde e riqueza coletiva.
E o que vem depois? É evidentemente razoável supor que, se persistirem a longo prazo, sérios danos à economia reduzirão nosso bem-estar e talvez até – como a austeridade e seus efeitos têm gerado – a expectativa de vida. Nos últimos 10 dias, pedidos de aumento do crédito universal aumentaram mais de cinco vezes, isto é, aumentaram em torno de meio milhão, enquanto os dados do YouGov sugerem que 2 milhões de pessoas podem ter perdido seus empregos. A recessão já está aqui.
Mas ela não precisa e nem deve ser permanente. O temor consiste em permitirmos que a inevitável queda do PIB, resultante da paralisação da economia, leve as empresas a abandonarem seus negócios e gere um longo período de desemprego. Não há, no entanto, nada de inevitável nisso.
Afinal, muitos países europeus, como França ou Itália, provavelmente vêem seu PIB cair em 10%, 20% ou até mais em termos absolutos todo mês de agosto, quando os trabalhadores tiram suas férias de verão.
Ninguém nota esta queda – os números são “ajustados sazonalmente” para levar em consideração feriados, o que significa que não aparecem nos dados publicados – e ela não causa qualquer dano. Os trabalhadores continuam a ser pagos e as empresas não entram em falência só porque não estão ganhando dinheiro. Em setembro, todo mundo volta ao trabalho normalmente.
Claro que esta situação é muito diferente e não acontecerá automaticamente no caso do Covid-19. Os impactos são maiores e duradouros – ainda não sabemos sequer seu tempo de duração – do que os de férias suplementares. A ação rápida e apropriada do governo deve percorrer um longo caminho. Manter os trabalhadores em seus empregos e as empresas nos negócios precisa ser a prioridade. O governo começou bem, embora haja muito mais a fazer.
Portanto, tanto da perspectiva econômica quanto da saúde, não devemos nos preocupar com a queda do PIB. Ele vai desabar e isto é uma coisa boa. Se não acontecesse – se as pessoas ainda estivessem trabalhando apesar das instruções para ficarem em casa –, o lockdown não funcionaria e ainda veríamos os efeitos econômicos da não paralisação mais adiante. Quanto ao PIB, importa o que acontecerá com ele em um ano ou 18 meses.
Quais as conseqüências a longo prazo? Não foi a queda acentuada do PIB em 2008-9 que reduziu, ao longo do curso da década seguinte, a expectativa de vida dos mais pobres em nossa sociedade. Foi, ao contrário, a opção política adotada pelos governos para resolver os efeitos econômicos da crise financeira global, a saber, corte no financiamento e na contratação de funcionários do serviço público de saúde e assistência social, bem como a erosão da rede básica de seguridade social que as pessoas dependem em tempos difíceis. Agora esta claro que estas eram falsas soluções que nos deixaram menos, não mais, preparados para a crise atual.
Do mesmo modo, se permitirmos que o Covid-19 danifique permanentemente nossa estrutura econômica e social, a culpa será nossa, não do vírus. Desta vez podemos e devemos fazer melhor.
Notas:
[1] professor de economia e políticas públicas no King’s College London.
[2] Texto original: Portes, Jonathan. Don’t believe the myth that we must sacrifice lives to save the economy. The Guardian, 25 de marco de 2020: https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/mar/25/there-is-no-trade-off-between-the-economy-and-health Tradução: Amélia Maciel; Revisão: Guilherme Leite Gonçalves